Meu Avô
Quando estava contente, cantava:
Cuidado com esta negra!
Que esta negra vai contá.
Cuidado que esta negra
É puxa-saco da sinhá.
Que esta negra vai contá.
Cuidado que esta negra
É puxa-saco da sinhá.
Cuidado com esta negra
Que esta negra já contô.
Cuidado que esta negra
É puxa-saco do sinhô.
Que esta negra já contô.
Cuidado que esta negra
É puxa-saco do sinhô.
Esta negra é caçambeira.
Gosta só de espioná.
Esta negra é faladeira
E conta tudo pra sinhá.
Gosta só de espioná.
Esta negra é faladeira
E conta tudo pra sinhá.
Esta negra é perigosa!
Tudo que vê ela fala,
E a sinhá fica nervosa
E nos prendem na senzala.
Tudo que vê ela fala,
E a sinhá fica nervosa
E nos prendem na senzala.
Carolina Maria de Jesus nasceu em Minas Gerais, em 1914, numa comunidade rural onde seus pais eram meeiros. Filha ilegítima de um homem que já era casado, foi tratada como pária durante toda a infância, e sua personalidade agressiva não fez nada para aliviar a situação. Quando chegou à idade de sete anos, a mãe de Carolina forçou-a a frequentar a escola depois que a esposa de um rico fazendeiro pagou as despesas para Carolina, bem como outras pobres crianças negras no bairro. No entanto, ela parou de freqüentar a escola pelo segundo ano, mas aprendeu a ler e escrever. Ela mal sabia na época, essas coisas desempenhariam um papel muito importante na sua vida adulta.
A mãe de Carolina tinha dois filhos ilegítimos, o que ocasionou sua expulsão da Igreja Católica enquanto ela ainda era jovem. No entanto, ao longo de sua vida, ela foi uma católica devota, mesmo nunca tendo sido readmitida na Igreja Católica. Em seu diário, ela muitas vezes fez referências bíblicas, e à Deus:
"...Eu dormi. E tive um sonho maravilhoso. Sonhei que eu era um anjo. Meu vestido era amplo. Mangas longas côr de rosa. Eu ia da terra para o céu. E pegava as estrelas na mão para contemplá-las. Conversar com as estrelas. Elas organizaram um espetáculo para homenagear-me. Dançavam ao meu redor e formavam um risco luminoso.
Quando despertei pensei: eu sou tão pobre. Não posso ir num espetáculo, por isso Deus envia-me estes sonhos deslumbrantes para minh'alma dolorida. Ao Deus que me protege, envio os meus agradecimentos."
Em 1937 sua mãe morreu e ela foi forçada a migrar para a metrópole de São Paulo. Carolina fez sua própria casa, usando madeira, lata, papelão, e qualquer outra coisa que pudesse encontrar. Ela iria sair todas as noites para coletar papel, a fim de conseguir dinheiro para sustentar a família. Quando ela encontrava revistas e cadernos antigos, guardava para escrever dentro Ela começou a escrever sobre seu dia-a-dia, sobre como foi morar na favela. Isto irritava seus vizinhos, que não eram alfabetizados, e por isso se sentiam desconfortáveis por vê-la sempre escrevendo, ainda mais sobre eles.
Teve vários casos amorosos quando jovens, embora tenha se recusado a casar-se, por ter visto muita violência doméstica na favela. Ela preferiu permanecer independente. Todos os seus três filhos tinham pais diferentes, um dos quais era um homem rico e branco. Em seu diário, ela detalha o cotidiano de favelados e, sem rodeios, descreve os fatos políticos e sociais que ordem as suas vidas. Ela escreve sobre como a pobreza e o desespero pode levar as pessoas de alta autoridade moral a comprometer seus princípios, honra, e a si mesmos simplesmente para conseguir comida para si e suas famílias. Não há nenhuma chance de economizar dinheiro, pois quaisquer ganhos extras devem ir imediatamente para pagar dívidas.
O Diário de Carolina Maria de Jesus foi publicado em agosto de 1960. Ela foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, em abril de 1958. Dantas estava cobrindo a abertura de um pequeno parque municipal. Imediatamente após a cerimônia uma gangue de rua chegou e reivindicou a área, perseguindo as crianças. Dantas viu Carolina de pé na beira do playground gritando "Saia, ou eu vou colocar você em meu livro!" Os intrusos partiram. Dantas perguntou o que ela queria dizer sobre seu livro. Ela se mostrou tímida no início, mas levou-o para seu barraco e mostrou-lhe tudo. Ele pediu uma amostra pequena e correu no jornal.
A história de Carolina "eletrizou a cidade" e, em 1960, Quarto de Despejo, foi publicado.
A tiragem inicial de dez mil exemplares se esgotou em uma semana (a wikipédia gringa diz que foras trinta mil cópias vendidas nos primeiros 3 dias). Embora escrito na linguagem simples e deselegante de uma favelada, seu diário foi traduzido para treze idiomas e tornou-se um best-seller na América do Norte e Europa. Mas não foi somente fama e publicidade que Carolina ganhou com a publicação de seu diário, mas desprezo e hostilidade de seus vizinhos. "Você escreveu coisas ruins sobre mim, você fez pior do que eu fiz", gritou um vizinho bêbado. A chamavam de prostituta negra, que tinha se tornado rica por escrever sobre a favela, mas recusou-se a compartilhar do dinheiro. Junto com as palavras dos vizinhos cruéis, as pessoas jogavam pedras e penicos cheios nela e em seus filhos. As pessoas também estavam com raiva porque ela se mudou para uma casa de tijolos nos subúrbios com os ganhos iniciais do seu diário. "Vizinhos se juntaram ao redor do caminhão e não deixá-la partir. "Você acha que são de classe alta agora, não você", eles gritavam. Os vizinhos locais desprezava mesmo que a alta realização de seu diário aumentou o conhecimento dessas favelas ao redor do mundo. Para vizinhos locais Carolina esta publicação foi uma contusão de seu modo de vida.
A filha de Carolina, Vera, afirmou em entrevista que sua mãe sempre gostou de ser o centro das atenções, e aspirava a se tornar uma cantora e atriz. No entanto, apesar de seus esforços para o fazer, a editora informou-lhe que isso não iria beneficiar e que ela deveria continuar a escrever seus livros. Além do Quarto de Despejo, escreveu também Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), Provérbios (1963) e Diário de Bitita (1982, póstumo). Ela morreu em 1977, aos 62 anos.