Noutras palavras, a sua poética, de certo modo, sempre foi a do desejo?
Daquele suposto desejo que um dia eu vi e senti em algum lugar. Eu vi Deus em algum lugar. É isso que eu quero dizer.
E a importância de Deus diminui também agora?
Não preciso mais falar nada, entende? Quando a gente já conheceu isso, não precisa mais falar, não dá mais pra falar.
É, portanto, um esgotamento da linguagem, um impasse, digamos, "expressivo", que leva ao silêncio?
É verdade. Leva ao silêncio. Eu fui atingida na minha possibilidade de falar. Lá do alto me mandam não falar. Por isso é que estou assim.
Sua obra, no fundo, então, procura...
Deus.
Ele não significava o Outro, o outro ser humano?
Deus é Deus. O tempo inteiro você vai ver isso no meu trabalho. Eu nem falo "minha obra" porque acho pedante. Prefiro falar "meu trabalho". O tempo todo você vai encontrar isso no meu trabalho.
[cadernos de literatura brasileira, outubro de 1999]
Hilda de Almeida Prado Hilst foi a única filha do fazendeiro de café, jornalista, poeta e ensaísta Apolônio de Almeida Prado Hilst, filho de Eduardo Hilst, imigrante originário da Alsácia-Lorena, e de Maria do Carmo Ferraz de Almeida Prado. Sua mãe, Bedecilda Vaz Cardoso, era filha de imigrantes portugueses. Nasceu em Jaú, em 1930, às 23:45, numa casa da Rua Saldanha Marinho.
Bedecida e Apolônio
Em 1933, aos 3 anos
Fantasiada para o carnaval de 1937.
Aos 8 anos.
Hilda com a mãe.
Aos 12 anos.
Aos 13, com seu cão número 1.
Em 1932, seus pais se separaram. Em plena Revolução Constitucionalista, Bedecilda mudou-se para Santos, com Hilda e Ruy Vaz Cardoso, filho do seu primeiro casamento. Durante a viagem, ao passarem por Campinas, a Estação Ferroviária Mogiana está sendo bombardeada. Em 1934 recebe a primeira visita do pai em Santos, e em 1935 Apolônio é diagnosticado como paranóico esquizofrênico.
Em 1937, Hilda ingressou como aluna interna do Colégio Santa Marcelina, em São Paulo, onde cursou o primário e o ginasial, com desempenho considerado brilhante. Nesse ano, a mãe lhe revelou a doença de seu pai. Neste ano a mãe lhe revela a doença de Apolônio. A intensidade dessa revelação e os poucos encontros que terá com o pai acentuam sua imagística da figura paterna, que se configura um dos principais componentes de sua obra literária.
Em 1946
Em 1948, entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco), onde conheceu aquela que seria sua grande amiga ao longo da vida, a escritora Lygia Fagundes Telles. Seu primeiro livro Presságio, publicado em 1950, foi recebido com grande entusiasmo pelos poetas Jorge de Lima e Cecília Meireles.
Hilda de boina, com os colegas do Mackenzie, 1945.
Hilda de preto, com as amigas, 1948.
Na faculdade de Direito, 1950.
Com Cássio Rodrigues, em 1955.
A partir de 1951, ano em que publicou seu segundo livro de poesia, Balada de Alzira, foi nomeada curadora do pai. Concluiu o curso de Direito em 1952. No ano seguinte começa a trabalhar no Escritório de Advocacia do Dr. Abelardo de Souza, em São Paulo, mas demite-se em 1954, abandonando a carreira por absoluta incompatibilidade com a profissão, optando pela Literatura. Viaja à Argentina e Chile, com a amiga Théa Müller Carioba. Muda-se para o apartamento da mãe, no Parque Dom Pedro II, São Paulo. Em 1955 publica o livro de poesia Balada do Festival.
Em 1957 faz uma viagem à Europa, com as amigas Regina Morganti, Marina de Vincenzi e Dorotéa Merenholz, permanecendo seis meses em Paris. Ainda na França, conhece Nice e Biarritz. Vai para Itália (Roma) e Grécia (Atenas e Creta). Voltando ao Brasil, muda-se para apartamento na Alameda Santos, São Paulo. Publica em 1959 um novo livro de poesia, Roteiro do silêncio. No ano seguinte, outro livro de poesia: Trovas de Muito amor Para um Amado Senhor. Viaja para New York e Paris. Muda-se para casa no bairro de Sumaré, São Paulo.
É nessa época que Adoniran Barbosa leu o segundo livro de Hilda Hilst e ficou encantado com "Bem o Quisera", que ele considerava um dos versos mais perfeitos já escritos na língua portuguesa. Em meados dos anos 50, Adoniran liga para a escritora e sugere um encontro - pois ele planejava musicar alguns poemas dela e queria tratar do assunto pessoalmente. A conversa entre os dois, bastante descontraída, ocorre no bar do Hotel Jaraguá, localizado na capital paulista. Como Hilda tinha dúvidas se seus versos dariam boas canções, Adoniran pediu que ela criasse, naquele exato momento, alguns poemas. Na mesa do bar, Hilda escreve "Só Tenho a Ti", "Quando Te Achei" e "Quando Tu Passas por Mim". Foi sua introdução no universo musical. A seguir, duas delas (infelizmente não na voz de Adoniran)
Em 1961, novo livro de poesia, Ode fragmentária. O músico Gilberto Mendes compõe a peça Trova I, inspirada no primeiro poema de Trovas de Muito Amor Para um Amado Senhor.
Apresentando a entrega do prêmio Saci, em São Paulo.
"Honni soit qui mal y pense!", ou seja, "maldito seja quem pensar em sacanagem", Paris, 1962. Ao fim da refeição, nesse restaurante de Paris, o garçon, ajudado por cavalheiros altruístas, coloca uma liga na perna de Hilda Hilst.
No batizado de Beatriz Cardoso, 1960.
Em 1962 recebe o Prêmio Pen Clube de São Paulo, com a publicação de Sete cantos do poeta para o anjo. Conhece o físico nuclear Mário Schemberg no Clube dos Artistas (ou Clubinho), localizado à Rua 7 de Abril, freqüentado por intelectuais e artistas. O poeta português Carlos Maria de Araújo, seu amigo pessoal, presenteia Hilda com o livro Lettres a El Greco, de Nikos Kazantizakis. O livro se transforma num divisor de águas na vida da escritora, sendo um dos principais motivadores de sua futura mudança de São Paulo.
[Pra quebrar um pouquinho o gelo, alguns poemas lidos no rádio por Hilda, em início dos anos 1990]
Em 1963 conhece o escultor Dante Casarini. Sobre o encontro, Dande diz:
Os dois tinham várias afinidades, entre elas o amor pelos cães. Em 1965, em companhia de Dante, muda-se para a sede da Fazenda São José, de propriedade de sua mãe, em Campinas, SP. Iniciam a construção de uma casa, que seria a casa do sol. Foi erguida em 8 meses, e na época não havia luz elétrica, então se usavam 60 lampiões a querosene (a luz elétrica só viria 3 anos depois). Em 1968 os dois se casam.
"...quando conheci a Hilda, estava em férias em São Paulo, e justamente estava caminhando na Rua Augusta numa certa tarde, quando ela, que estava com a Marilda Pedroso, mulher do Bráulio Pedroso, me viu da vitrine de uma loja de calçados e me fez um sinal. Achei incrível, porque o sinal era bem insinuante e me aproximei – ela era lindíssima, aliás, a Marilda também. Ela então me convidou para jantar em sua casa. Conversamos um pouco e ela pediu meu endereço. A noite estacionou o maior Mercedes em casa, com o choffeur dela para me buscar, e foi aquele jantar maravilhoso e aí começou aquela paixão entre nós....
Eu fui, e foi um jantar maravilhoso, a luz de velas, a casa da Hilda era belíssima: Rua Petrópolis, 42, no Sumaré (aliás, mais tarde ela venderia a casa à atriz e produtora teatral Ruth Escobar que entrevistei várias vezes além de ter trabalhado em peças da sua companhia e que providencialmente conheci) com muitos empregados – Hilda sempre teve muitos empregados e objetos maravilhosos, porque ela tinha um gosto estupendo e tomamos vinhos incríveis e então, começou uma paixão maravilhosa entre nós. Ela me convidou para ficar e eu fiquei. Nunca mais voltei daquelas férias.
Eu tive poucas mulheres, sempre muito interessantes, mas nunca conhecera uma pessoa tão especial, genial, inteligentíssima e fascinante como a Hilda. E vivemos um período de grandes porres – saiamos com a Marilda e o Bráulio Pedroso, e outros artistas, poetas, como a Gilka Machado, atores como o Raul Cortez, Cacilda Becker, Tarcisio Meira, Eva Vilma. Nossa relação foi uma coisa inenarrável, porque a paixão era mútua. Em resumo, comecei a ter uma vida intensa e diferente de tudo o que até então vivera.”
Os dois tinham várias afinidades, entre elas o amor pelos cães. Em 1965, em companhia de Dante, muda-se para a sede da Fazenda São José, de propriedade de sua mãe, em Campinas, SP. Iniciam a construção de uma casa, que seria a casa do sol. Foi erguida em 8 meses, e na época não havia luz elétrica, então se usavam 60 lampiões a querosene (a luz elétrica só viria 3 anos depois). Em 1968 os dois se casam.
Hilda, Dante e sua mãe, no dia do casamento.
Na Casa do Sol, 1967.
O escultor Dante Casarini e Hilda Hilst sob a figueira da Casa do Sol (ou "no mato com cachorro"),1966. Atrás da árvore, a mesa de pedra cujo tampo Jô Soares quebrou ao usá-la como banco.
24 de setembro de 1966. Morte do pai. Na época Hilda já se transferira para a Casa do Sol, onde viveu por toda a vida. A casa será freqüentada por artistas e intelectuais das várias áreas, transformando-se num centro de fomento cultural das décadas de 70 e 80. Em 67 começa a escrever suas peças teatrais. Continua publicando poesia.
Hilda com Rofran e Felipe — respectivamente diretor e ator na peça "O Verdugo", 1973.
Hilda, duas pessoas não identificadas, o crítico Leo Gilson Ribeiro e o escritor J. L. Mora Fuentes, na Casa do Sol, 1976.
No ano de 68 escreve as peças O visitante, Auto da barca de Camiri, O novo Sistema, e inicia As aves da Noite. Conhece os escritores Caio Fernando Abreu, que passa a morar na Casa do Sol, e Jose Luís Mora Fuentes. Na praia de Massaguaçu, próximo a Caraguatatuba no litoral paulista, inicia a construção da uma casa, que chama de “Casa da Lua” que concluirá no ano seguinte, na qual passará algumas temporadas. As peças O visitante e O rato no muro são encenadas no Teatro Anchieta, São Paulo, para exame dos alunos da Escola de Arte Dramática (EAD-USP).
O editor Massao Ohno e Hilda Hilst, durante lançamento.
Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst e a artista plástica Olga Bilenky, na Casa do Sol.
Aniversário de Dante Casarini: na mesa - da esq. para direita - Caio Fernando Abreu, Mora Fuentes, Hilda Hilst, não identificado, Dante Casarini e amigos, na Casa do Sol.
O escritor e artista plástico J. Toledo, Hilda e Gutenberg, na Casa do Sol.
Hilda, Ana Lúcia Vasconcelos, a artista plástica Olga Bilenky e amigos irracionais.
Em 1970 publica seu primeiro livro de ficção Fluxo-Floema. Os críticos literários Leo Gilson Ribeiro, Anatol Rosenfeld e Nelly Novaes Coelho são os primeiros a reconhecer a importância dessa prosa inovadora.
Lança seu segundo livro de ficção, Qadós. A leitura de Telefone Para o Além, livro do pesquisador sueco Friederich Jurgenson, leva-a à singular experimentação que estenderá pelos próximos 7 anos, na qual, por meio de um gravador, registra vozes de origem inexplicável pela ciência. Comunica a pesquisa aos físicos César Lattes e Newton Bernardes, seus amigos. Escuta deste último: “Isso, sendo verdade, teríamos que sentar na calçada e repensar toda a física”. Sobre esse caso, vale muito a pena assistir a esse raríssimo vídeo, uma matéria feita pelo Fantástico, disponibilizado no youtube:
Em 1985 divorcia-se de Dante Casarini, que continuará morando na Casa do Sol até 1991, e com o qual mantém profunda amizade até a morte de Hilda. Continua publicando poesia, e em 1990 lança os dois primeiros títulos da sua trilogia erótica, O Caderno Rosa de Lori Lamby, que a princípio escandaliza a maior parte da crítica, e Contos d’escárnio/Textos grotescos, igualmente perturbador para boa parte de seus leitores. Em 1991 lança Cartas de um Sedutor, encerrando sua trilogia erótica. Apesar de a trilogia representar menos de um décimo da sua obra, Hilda passa a ser erroneamente considerada, por parte da crítica, como escritora essencialmente erótica.
A entrevista a seguir é de uma lucidez suprema. A melhor que encontrei dela.
Em 1992 aceita o convite de Wilson Marini, editor no “Caderno C” do jornal Correio Popular (Campinas, SP), e inicia sua atuação como cronista. Ela escrevia o que pensava, e os leitores mandavam cartas medonhas ao jornal, ligavam exigindo que a coluna de Hilst fosse cortada do jornal. Posteriormente estas crônicas seriam reunidas na publicação Cascos e Carícias.
Em 1995 parte de seu arquivo pessoal foi comprado pelo Centro de Documentação Alexandre Eulálio, Instituto de Estudos de linguagem - IEL, UNICAMP, estando aberto a pesquisadores do mundo inteiro e o restante, notadamente sua biblioteca particular, encontra-se na Casa do Sol, sede do Instituto Hilda Hilst.
Muitos de seus livros se esgotaram devido a uma escassa distribuição. Porém, em 2001, a Editora Globo adquiriu os direitos de sua obra e, em dezembro daquele mesmo ano, passou a reeditar a Obra Completa da escritora.
Internada no Hospital das Clínicas da Unicamp no dia 1 de janeiro de 2004 devido a uma queda e conseqüente fratura de fêmur, Hilda Hilst vem a falecer no dia 4 de fevereiro, às 4 horas da madrugada, em decorrência de uma infecção generalizada. É sepultada na tarde desse mesmo dia, no Cemitério das Aléias, em Campinas. Após seu falecimento, o amigo Mora Fuentes liderou a criação do Instituto Hilda Hilst. O IHH tem como primeira missão a manutenção da Casa do Sol, seu acervo e o espírito de ser um porto seguro para a criação intelectual.
Atualmente o Instituto Hilda Hilst tem como presidente Daniel Fuentes, e está levando a cabo o projeto de construção de um Teatro na Casa do Sol. Pra quem quiser saber mais, é só entrar no site.
Aqui um vídeo do programa Entrelinhas, sobre Hilda.
Há um documentário sendo produzido, e um longa de ficção sendo escrito sobre a vida da escritora. E também uma biografia a ser lançada pela editora Globo. Pra quem quiser saber mais sobre a Hilda, há um delicioso texto da escritora Ana Lúcia Vasconcelos, que conviveu com Hilst e está preparando um livro sobre ela. Está dividido em 3 parte. Aqui a primeira, aqui a segunda, e a terceira.
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